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O padre Nelso Nicolao, administrador da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, que cuida do santuário de Monte Santo, decidiu abrir uma estrada na Serra da Santa Cruz com a justificativa de facilitar o acesso, ao Monte Santo, de fiéis e romeiros com dificuldade de locomoção. Doentes, idosos e cadeirantes seriam os principais beneficiados. Parte da estrada foi aberta de forma manual e nos pontos mais altos, onde a rocha era mais dura, com o auxílio de uma retroescavadeira.
Segundo informações divulgadas pelo próprio padre, responsável pela obra, a estrada possui 1.800m de cumprimento por 2,5 de largura e custou R$ 19,5 mil. Seria, digamos assim, um caminho mais curto e acessível. O grande problema é que o acesso, além de muito polêmico, foi construído num lugar tombado pelo Patrimônio Histórico. Conforme apurou o site Correio, em 1983 a antiga Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), decretou o tombamento da Serra da Santa Cruz, com base no Decreto Lei de 1937, que regulamenta a preservação dos sítios históricos, arquitetônicos, culturais e artísticos do Brasil. Com isso, nada poderia ser feito na serra sem o conhecimento, a discussão e a autorização do IPHAN.
A “estrada do padre”, como muitos têm chamado de maneira irônica, despertou duras críticas dos defensores locais do patrimônio histórico e da tradição religiosa de subir o morro pelo caminho secular e tradicional dos peregrinos, e a pé. O arquiteto montessantense Timóteo Ferreira, especialista em sítios históricos e que desde 2010 estuda a Serra da Santa Cruz, acusa a igreja católica de querer “mercantilizar o turismo religioso de forma absurda”, com a abertura da polêmica estrada, e posterior cobrança de pedágio para o acesso de carros e caminhonetes 4×4. “Ora, é como diz em Salvador, na Festa do Bonfim: quem tem fé vai a pé”, provoca.
Segundo o arquiteto, a Serra da Santa Cruz está tombada em três escalas: paisagística, cultural e arquitetônica, e nada pode ser mexido, sem a autorização do IPHAN, até no entorno do morro, num raio de 15km. “Um crime, no sentido da intervenção em um sítio de relevância internacional, colocando em risco a fauna e flora. Não se pode perder esse rico patrimônio histórico, cultural e ambiental para a ignorância”, afirmou.
Quem também lançou duras críticas à estrada foi o artista plástico Ivan Santtana. “Essa obra me incomodou bastante porque Monte Santo é a minha cidade, pela qual eu tenho uma relação de afeto e pertencimento”, reflete. Ele classificou a nova estrada como o passo inicial para o turismo excludente. “A igreja acha que é soberana e que pode tudo. Ela quer transformar a Serra da Santa Cruz num Cristo Redentor para turistas. Que pense em outra forma de acessibilidade. No morro se sobe pela fé”, ressalta o artista plástico.
Em resposta à solicitação de entrevista do Correio, o padre Nelso Nicolao encaminhou uma nota de esclarecimento informando que o plano de construir uma estrada alternativa na Serra da Santa Cruz, na trilha em que o Padre Berenguer (Monsenhor Francisco de Paula Berenguer Cesar, histórico religioso da região) subia montado a cavalo, já vinha sendo pensado há dois anos, por um grupo da Comunidade Católica de Monte Santo. Segundo o pároco, a obra foi feita “pensando em dar a alegria aos irmãos e às irmãs romeiros com deficiência física, de chegar ao Santuário para cumprir suas promessas de agradecimento, a Deus louvar e entregar-se ao Cristo Crucificado para encontrar graças diante de seus sofrimentos, sendo, portanto, um caminho da fé para este grupo de pessoas”.
Acionados, o Ministério Público Federal (MPF) e o IPHAN ainda não se posicionaram sobre o assunto.
Por Retratos e Fatos